Esta
é a opinião de um norte-americano que escreveu um livro sobre este tema. Ainda
que possa ser vista como uma janela de oportunidades e de conhecimento, também
é verdade que, se mal usada, pode ser um travão ao raciocínio, ao saber-saber.
A informação veiculada é fugaz, apressada, imediatista e isso pode contribuir
para que as pessoas sejam superficiais e, pior do que isso, sejam mais
facilmente manipuladas ou manipuláveis. Vale mais ler o texto!...
A internet está a tornar-nos
fúteis. A tese é de Nicholas Carr, norte-americano que se consagrou a analisar
o modo como a rede interfere no nosso modo de pensar e o empobrece. As
conclusões estão no livro Os
Superficiais – o que a internet está a fazer aos nossos cérebros.
E se um dia alguém nos tira da frente o
monitor e todo o mundo mágico que nos é apresentado? Se antes era difícil
imaginar um mundo sem televisão ou telefone, será concebível vivermos sem
estarmos ligados a um computador ou amarrados a um telemóvel?
Mesmo esta pergunta já é mera retórica.
Ainda que consideremos ter um ou outro dos aparelhos enunciados, se não
estivermos ligados à internet não somos ninguém. Pior: somos um não-ser que
vive num limbo que já não existe, o chamado mundo real, que não tem realidade
se não estiver na rede.
Se o leitor perdeu tempo a ler este
texto até aqui, parabéns. Ou antes, preocupe-se: ainda faz parte de uma ínfima
porção de seres humanos que consegue concentrar-se durante muito tempo num só
tema. É que a internet, defende o ensaísta Nicholas Carr, está a tornar-nos
cada vez mais dispersos e até superficiais. O nosso cérebro vai ter de
adaptar-se, defende o autor nesta entrevista que concedeu ao SOL por e-mail .
É verdade que nos estamos a tornar
superficiais com a internet?
A net, como a descrevo no livro,
encoraja-nos a avaliar muita informação fragmentada, dada em pequenas peças,
enquanto estamos sujeitos a muitas interrupções e distracções. Esse modo de
pensar é importante e válido. Mas à medida que vamos usando a rede de uma forma
mais intensiva e abrangente, começamos a sacrificar outras formas de
pensamento.
Quais?
Aquelas que exigem atenção e
concentração, que envolvem a contemplação, a reflexão e a introspecção. Como
aconteceu com outros media de informação no passado, a net está a impor o que
eu designo como a sua própria ‘ética intelectual’ às nossas mentes. Está a
alterar o equilíbrio do nosso pensamento.
Porquê?
Nas últimas décadas, neurocientistas,
psicólogos e outros investigadores desenvolveram imensos estudos sobre os
efeitos mentais do hipertexto, do multimedia, do ‘multitasking’ [desempenhar
várias tarefas ao mesmo tempo], da interrupção e da distracção. A maioria
desses estudos aponta para a mesma conclusão: quando estamos online, entramos
num ambiente que promove a leitura apressada, um pensamento disperso e
precipitado, e uma aprendizagem superficial. É possível pensar de uma forma
mais aprofundada quando ‘surfamos’ na net, mas não é este o tipo de pensamento
que esta tecnologia encoraja ou recompensa.
Quais são as consequências destas
mudanças?
Esta transformação mental tem muitas
consequências práticas – para a educação, para a inovação, para a literatura e
para as artes, e até para a saúde mental. Um modo de pensar mais contemplativo
e atento estimula a criatividade, a empatia, a maturidade e o desenvolvimento
de uma personalidade consistente. Podemos ser muito eficientes e produtivos sem
essas formas de pensamento, mas tornamo-nos monótonos, menos interessantes e intelectualmente
distintos como seres humanos. Também acho que as nossas ideias e decisões
tendem a tornar-se mais limitadas se perdermos a riqueza de um pensamento mais
profundo e idiossincrático. A longo prazo, à medida que essas mudanças
invadirem as esferas da educação, do trabalho e da arte, vão dar nova forma à
nossa cultura, tornando-a, receio, menos imaginativa e vibrante.
Faz uma comparação de quase todos os
media ao longo da história humana. Diz que quando um novo meio de comunicação
aparece, muitos pensam que ele vai levar os media anteriores à extinção. Acha
que a internet está a ‘matar’ a imprensa, por exemplo?
A imprensa já estava em declínio antes
da chegada da internet, mas é verdade que a leitura de jornais decresceu muito
rapidamente nos últimos anos, à medida que as pessoas trocaram estas notícias e
outra informação pelo suporte online. Não creio que isto signifique
necessariamente o fim dos jornais, mas antes uma reconfiguração deles enquanto
meios de comunicação e áreas de negócio.
Chega a dizer que o nosso cérebro está a
ficar diferente. E até dá o seu exemplo, pela dificuldade que teve em escrever
um livro. Estamos condenados a viver permanentemente online no futuro?
Não me parece que vamos viver
‘permanentemente’ online no futuro. Mas parece-me que a tendência para que a
nossa experiência se faça cada vez mais através dos monitores do computador vai
continuar. E à medida que isso acontece, os nossos cérebros vão adaptar-se a
este novo ambiente. Eu próprio experimentei essas mudanças. Inspirei-me para
escrever um livro por ter percebido que, inundado com informação e distracções,
estava a perder a minha capacidade de concentração.
Também menciona Marshall McLuhan. Acha
que a ‘aldeia global’ defendida por este filósofo da comunicação chegou no
nosso tempo?
Acho que uma rede social universal como
o Facebook demonstra a emergência de uma espécie de ‘aldeia global’ como
McLuhan imaginou. McLuhan acreditava que um aldeia electrónica como esta teria
bons e maus efeitos, que ajudaria a juntar pessoas distantes entre si mas
também a encorajar o tribalismo. Acho que estamos a ver estes efeitos hoje,
quer os bons, quer os maus.
Apesar do domínio do online, nunca
houve, como agora, tantos livros publicados. Como se explica isto?
Os negócios ligados aos media continuam
dinâmicos, e acho que vão continuar assim. O meu interesse tem a ver com a
análise das mudanças no modo como lemos. Acho que é evidente que podemos estar
a ler mais hoje do que num passado recente, mas estamos a ler de uma maneira
mais superficial.
Acha que as manifestações recentes, como
a Primavera Árabe ou a revolta contra as medidas de austeridade na Europa só
foram possíveis devido à mobilização pelas redes sociais?
Acho que elas influenciaram estes
protestos recentes, mas não me parece que os protestos precisem das redes
sociais. As pessoas não tinham problemas em organizar protestos e revoltas
muito antes de os computadores aparecerem.
O que há então de novo no modo como as
pessoas se juntam para protestar?
Não estudei essa questão.
Também diz que a nossa cultura está a
ser destruída, quando escreve: ‘contratem memória externa e a nossa memória vai
desaparecer’. Porquê? Não será melhor para a memória ter mais informação?
Não. O processo de formar a memória
requer atenção, para a ‘transferir’ da nossa memória a curto prazo para a de
longo prazo. Quando somos bombardeados com informação, sofremos aquilo a que os
psicólogos chamam ‘sobrecarga cognitiva’. Ou seja, a informação entra e sai da
nossa memória a curto prazo tão rapidamente que não somos capazes de a
transferir para a de longo prazo e transformá-la em conhecimento. Mais
informação pode, por vezes, significar menos conhecimento.
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