quarta-feira, 7 de dezembro de 2011

VEMOS, OUVIMOS E LEMOS, NÃO PODEMOS IGNORAR

(Sofia de Mello Breyner Andresen)

Tão ou mais frustrante que ouvir alguns fazedores de opinião criticar toda e qualquer medida governamental (deste ou de anterior Governo) que vise a redução de custos na administração pública, na saúde, na educação, na justiça, nas forças militares, é constatar que outros, nos cafés ou em fóruns radiofónicos ou televisivos, aproveitam as nossas dificuldades financeiras actuais para exaltar os tempos do salazarismo, do Estado Novo, pois nessa altura não havia dívida pública externa, as contas do estado estavam equilibradas.
Vou, provavelmente com mais detalhe, noutro espaço de comunicação, contestar estas análises que começam por depreciar o fim da guerra colonial e da censura e a introdução da democracia e da liberdade que o 25 de Abril de 1974 propiciou.
Valeu a pena? Claro que valeu a pena!


Na saúde, com a melhoria dos cuidados médicos e de enfermagem, já vivemos em média 80 anos, na altura vivia-se cerca de 67 anos. O número de crianças que morriam à nascença ou nos primeiros dias desceu, desde então, 90%. Em 1970 apenas 37,5% dos partos se faziam em estabelecimentos de saúde, agora esse número é de 99,6%. 


Na educação o número de jovens no ensino secundário que se registava em 1974 multiplicou por dez e o número de alunos no ensino superior passou de 77.500 (em 1978) para 294.000 (em 2010). 


Na justiça temos, de lá para cá, cinco vezes mais arguidos e condenados, a taxa de condenação que rondava os 50% ultrapassa agora os 60%, o que não confirma o laxismo que muitos julgam existir neste sector. 


Finalmente, na protecção social, apoiamos agora mais cidadãos nas situações de desemprego e de doença. Muitos outros beneficiam de subsídio parental, de morte e de funeral, de bonificação por deficiência e ainda de subsídio mensal vitalício e de assistência a 3ª pessoa. Mais de meio milhão de portugueses beneficiam do Rendimento Social de Inserção. Há em Portugal quase 3,5 milhões de pensionistas, em 1973 este número era 80% inferior.
Desta breve abordagem resulta evidente que a nossa qualidade de vida actual, em termos de médias nacionais, nada tem que ver com a que tínhamos há quatro décadas. Não nos podemos dar ao luxo de o ignorar, em benefício da verdade e para encontrarmos ânimo que nos ajude a vencer as dificuldades!


Cantata da paz


Vemos, ouvimos e lemos
Não podemos ignorar
Vemos, ouvimos e lemos

Não podemos ignorar


Vemos, ouvimos e lemos
Relatórios da fome
O caminho da injustiça
A linguagem do terror



A bomba de Hiroshima
vergonha de nós todos
Reduziu a cinzas
A carne das crianças



D'África e Vietname
Sobre a lamentação
Dos povos destruidos
Dos povos destruçados



Nada pode apagar
O concerto dos gritos
O nosso tempo é
Pecado organizado



Sofia de Mello Breyner
(1919-2004)

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