A
notícia que seguidamente se reproduz enquadra-se nas preocupações que aqui
vamos apresentando que é de estarmos a construir uma sociedade europeia quase
sem crianças. A tendência neo-liberal para alargar horários de trabalho,
conferir precariedade ao emprego e acabar com algumas prestações sociais que
incentivam e protegem a natalidade, estão a fazer mudar as opções dos casais
relativamente ao momento adequado para terem filhos. As dificuldades económicas
e a incerteza são factores que não podem deixar de ser levados em conta.
A
sociedade portuguesa caracterizava-se por dois traços "interessantes"
pois "não tinha um adiamento tão grande do primeiro [filho] mas tinha um
adiamento mais intenso do segundo, o que faz com que tivéssemos a visibilidade
do filho único já desde os anos 90", disse à agência Lusa Vanessa Cunha do
Instituto de Ciências Sociais (ICS) da Universidade de Lisboa.
Esta
é uma primeira constatação do projeto "a intenção de ter crianças e o
adiamento em tempos de incerteza", a decorrer até 2014 e que vai ajudar a
compreender o "duplo adiamento".
Vanessa
Cunha, a investigadora responsável pelo estudo realizado em parceria com o
centro de investigação da Universidade de Évora, referiu que Portugal "é
dos países da Europa com incidência mais elevada de filhos únicos".
"O padrão ligeiramente mais precoce em relação ao resto da Europa do Sul
[era explicado] muito provavelmente" pelos níveis de escolaridade
"muito mais baixos e pela inserção mais precoce no mercado de
trabalho", mas também pelo início mais cedo da vida em casal, explicou Vanessa
Cunha.
Deixar
a decisão de ser mãe e pai para mais tarde resulta de um conjunto de razões,
mas, para a especialista, "a insegurança financeira é a questão central em
jogo", relacionando-se com a precariedade económica e as dificuldades
ligadas ao custo de educação dos filhos.
A
investigadora do ICS referiu que os períodos recessivos, com problemas no
mercado de trabalho e desemprego, "são desfavoráveis à natalidade",
no entanto, nos países em que "a almofada" dos apoios sociais não
desaparece, "em que as pessoas sabem que podem ficar desempregadas, mas
existem outras formas de compensação do rendimento, levam a sua vida para a
frente". Quando estas almofadas, ainda que pequenas, começam a ser
retiradas "as pessoas sentem uma insegurança enorme", realçou.
É
grande o número de requisitos atualmente considerados fundamentais para ter um
filho, além da vertente económica, incluindo também alguma segurança no
trabalho ou nas próprias relações conjugais. A conjugação da vida profissional
e familiar e a perda de alguma independência são outros fatores ponderados na
decisão. Muitas vezes, o adiamento acaba por ser definitivo, pois com o avançar
da idade, os portugueses podem não conseguir concretizar o sonho de ter filhos,
ao deparar-se com a infertilidade.
Relativamente
à insegurança laboral, Vanessa Cunha referiu-se ao facto de os portugueses
terem direito a determinados benefícios que depois podem desaparecer. "Na
minha perspetiva é uma mensagem política muito negativa aquela de que o Estado
não pode apoiar as pessoas que querem ter filhos", com abonos ou licenças
de parentalidade, se sozinhas não conseguem ter as condições necessárias,
salientou a investigadora.
O
que se passa nesta situação é que "se cria uma profunda desigualdade no
acesso à parentalidade e passa a ter filhos quem pode e não quem quer",
criticou.
Lusa
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